Daqui a poucas semanas a minha mãe estará fazendo aniversário. Chegado o tão aguardado dia para os seus filhos, por certo que receberá dos familiares e das amizades mais próximas todas as homenagens que faz por merecer, mesmo que não as queira, pelo seu renitente desprendimento espiritual. Reconheço que nem eu sei ao certo a quantas andam as primaveras da dona Ila Lara, embora saiba, claro, que são muitas, todas elas vividas em sua simplicidade e mais completa abnegação. Como ela não gosta de dizer a idade, procuro não entrar em detalhes. Faço que estou nem aí para as intrometidas questões cronológicas que transpõem as nossas conversas, e muito menos puxo assunto sobre o indelével perpassar do tempo testemunhado pelos calendários gregorianos.
Na data específica, a minha irmã mais nova, como fez no ano passado, já planejava com a genitora uma ida até Santa Maria, para tomarem um chá no Dani Café, junto às amigas que moram aqui, mas a mãe achou melhor não. Esperaria em casa aquelas que comumente aparecem, com alguns frios, refrigerantes e docinhos encomendados sempre da mesma doceira da Rua Sete.
Mas nos disse, quase como quem confessa um segredo guardado a sete chaves no sótão do coração: não sei se virá alguém, pois as minhas amigas estão morrendo... Eu me criei vendo aquelas senhoras recatadas na nossa casa lá em São Sepé. Compareciam regularmente, e sem nenhuma pressa de pegar de volta o rumo das casas. Já as considerava como parte integrante da família, e na semana que não batiam ponto a gente se perguntava desconfiado o que teria acontecido com elas. Será que se adoentaram do peito, baixaram hospital? Ou foram embora para sempre da cidade, cansadas de tanto incômodo com o marido que não parava mais em casa?
Para o nosso alívio, dias depois surgiam elas dobrando a esquina, como se nada tivesse acontecido, o cabelo arrumado em instituto de beleza para o encontro em torno de uma mesa coberta por toalha bordada e rosquinhas de cachaça. Lembro que a mais gordinha e retaca delas aparecia com aprumo, invariavelmente massageando um terço nas mãos, a passos demorados, num caminhar bem próprio de quem veio desacompanhada de qualquer preocupação com os ponteiros do pequeno relógio de ouro e prata que trazia junto ao pulso socado, presente de casamento do finado marido tabelião.
Depois que a mãe nos falou aquilo, do desaparecimento contínuo das amigas, fiquei imaginando o quão deve ser triste e aflito para alguém que faz aniversário esperar por quem talvez não venha para lhe dar um abraço, cantar nem que seja o parabéns a você ou colar num beijo prolongado as faces enrugadas. Pior que isso só mesmo esperar por alguém que certamente não virá, como a filha mais velha que se antecipou ao encontro com Deus Pai.